Qual é o papel do homem na família?

Muito se fala sobre a mudança do papel da mulher na sociedade, a qual deixou de se dedicar exclusivamente aos afazeres domésticos para disputar com o homem um lugar na vida pública. Mas pouco se questiona como isso repercutiu no comportamento masculino atual. Se, por um lado, percebe-se maridos e pais mais afetivos e participativos, por outro, muitos se sentem ameaçados e mais cobrados. Estes, com resquícios do estereótipo do “sexo forte”, ainda são muito orgulhosos para procurar algum tipo de ajuda e viver melhor em família. O Psicanalista Dr. Joaquim Pereira da Silva Junior, que também é médico cardiologista e homeopata, esclarece, em entrevista a seguir, como tem sido essa adaptação masculina, que reflete diretamente em seu comportamento dentro de casa. Confira:

Quais são os padrões do comportamento masculino hoje em dia?

Podemos observar que não existe um padrão único quando olhamos para esse homem com as lentes da Psicanálise, que busca exatamente libertar esse sujeito de padrões herméticos, fechados, estereotipados e até caricatos. E isso é muito bem-vindo, se pensarmos nos ganhos para a sociedade como um todo. Podemos pensar nesse homem, inicialmente descrente frente às conquistas da mulher e, a seguir, assustado. Existe, sim, uma tendência de se apresentar um homem mais participante no lar e mais próximo de sua prole. Claro que isso tudo implica num longo aprendizado, de ambos os lados. Assim sendo, numa ponta, vemos aqueles que não querem se desgarrar de um padrão praticado por séculos, e na outra ponta, homens que incorporam, rapidamente, essas novas funções, de cuidadores do lar e da prole. Entre esses dois extremos, há um largo “espectro de homens”. O que importa é que todos, homens e mulheres, possam estar envolvidos nesse processo de mudanças, visando o prazer com responsabilidade.

Muitos ainda resistem a essas mudanças. Por quê?

Na prática clínica, temos visto que o homem ainda sofre com a maioria das transformações e demandas deste novo arranjo familiar e, consequentemente, da sociedade como um todo. Há muito o que aprender. Até porque, essa mesma demanda ainda é ambígua, por vezes desejando que o homem se apresente em padrões antigos, e por vezes exigindo a adaptação. Se descobrir como um ser passível de múltiplos desejos é o caminho, tanto da mulher como do homem, para a descoberta e prática desses novos papéis.

Maior preocupação e um relacionamento mais afetivo com mulher e filhos passaram a fazer parte do comportamento masculino. Eles são mais cobrados por isso?

Você tocou em um ponto importante, que é a cobrança. Não que o universo feminino não coabite com essa questão, mas, para o homem, o dito sexo forte, ainda é difícil descobrir-se frágil e com dificuldade de atender todas as cobranças. Eles partiram do papel de provedores, de um lugar de poder incontestável pela mulher e pelos filhos, para um lugar de igual a todos aqueles que os cercam naquele núcleo familiar. E, portanto, a cobrança aumentou. Mantidas e até aumentadas as demandas profissionais, hoje o homem se vê cobrado a uma maior participação na educação dos filhos, e a dispensar um tempo maior às atividades com eles. A mulher passou a ser dona do seu corpo e, com isso, mais cobranças ao homem no seu desempenho sexual e afetivo. Todas mudanças bem-vindas, facilitadoras da construção de um lugar mais tranquilo de convívio, mas ainda cheio de dúvidas de como fazê-lo.

Como ajudá-los a diminuir essas eventuais resistências e cobranças?

Cada vez mais há necessidade de se abrir espaços para que o homem possa se colocar, com suas dúvidas e receios. Assim, acompanhar a gravidez de perto, com as visitas ao obstetra no pré-natal, ir a cursos de esclarecimento sobre os cuidados com o recém-nascido, grupos de discussão sobre o papel do pai na modernidade, cuidados com a própria saúde, enfim, todo e qualquer instrumento que o deixe mais habilitado para a conquista desse novo espaço. A Psicanálise entra aí como uma ferramenta importante para descobertas e enfrentamentos desses medos e dúvidas.

Quais os benefícios desse comportamento para o próprio homem e também para sua família?

Aos poucos, vão se construindo famílias mais unidas e responsáveis, dentro dos seus limites, com a participação de cada um, dentro daquilo que cada um pode oferecer, independentemente de gênero ou idade. Ou seja, estamos saindo de um lugar de muitas cobranças, de execução de papéis estereotipados de comportamento, para uma dinâmica em que todos podem ser melhor ouvidos, compreendidos dentro daquele núcleo e, portanto, em breve, com menos cobranças e mais responsabilidades. Cada um se tornando cada vez mais responsável pelo seu desejo, pelos seus atos e por suas relações interpessoais.

Como classificar essas mudanças?

É importante destacar que a sociedade vem abandonando uma estrutura patriarcal, vertical, em que o pai é absoluto, incontestável, provedor e, na maioria das vezes, autoritário, não considerando o desejo dos demais participantes deste núcleo, e transformando-se numa estrutura horizontal ou em rede, na qual todos participam da construção dessas relações, dos saberes, dos conhecimentos, muito mais conectados entre si, com uma fluidez nas relações, permitindo discutir e analisar qual o melhor caminho para cada um dos membros da família, sem perder de vista o todo.