Se você nunca desenvolveu alguma patologia relacionada ao coração, dificilmente vai pensar em procurar um cardiologista antes de engravidar ou até mesmo durante a gravidez. Porém, muitas cardiopatias são assintomáticas e podem atrapalhar o transcorrer saudável da gestação, caso não haja um acompanhamento especializado.
Segundo a cardiologista Dra. Kécia Amorim, toda gestante precisa pelo menos de uma avaliação cardiológica, principalmente nos casos de gravidez tardia. Para entender como o especialista atua nesses casos, confira a entrevista completa com a cardiologista:
A mulher que está pensando em engravidar deve procurar um cardiologista? Por quê?
Sim. Porque as cardiopatias são a maior causa de morte materna (período compreendido entre a gestação e o 42° dia pós-parto). E algumas cardiopatias prevalentes são assintomáticas e por isso as pacientes desconhecem ter.
Toda gestante precisa de acompanhamento cardiológico na gestação?
Pelo menos uma avaliação cardiológica, sim. A fim de afastar os fatores que precipitam as complicações cardiovasculares mais frequentes, como: insuficiência cardíaca, arritmias, tromboembolismo, angina, hipoxemia e endocardite infecciosa. Entre os fatores precipitantes, devem ser pesquisados: anemia, infecção, hipertireoidismo e distúrbios eletrolíticos.
Como é feito esse acompanhamento?
De maneira geral as consultas simultâneas com o cardiologista e o obstetra devem ser mensais na primeira metade da gestação, quinzenais após a 21ª semana e semanais nas últimas semanas, de acordo com o diagnóstico e a gravidade do quadro clínico.
Qual a importância do pré-natal cardiológico, principalmente nos casos de gravidez tardia?
O mundo evoluiu, a expectativa de vida aumentou, mas algumas “regras” do corpo ainda são as mesmas dos tempos paleolíticos. Com a idade avançada, há alterações de metabolismo, do sistema imunológico, do sistema cardiovascular, que facilitam o desenvolvimento de complicações. Por exemplo: o aumento da idade na primeira gestação faz crescer a chance de desenvolver diabetes, hipertensão, pré-eclâmpsia, trombose venosa profunda, que podem levar ao parto prematuro. Além disso, doenças como infarto agudo do miocárdio também têm aumentado à medida que as mulheres estão engravidando com mais idade. Por isso, um acompanhamento cardiológico é tão importante nessa fase.
É verdade que o coração trabalha mais na gravidez, alterando a frequência e o ritmo cardíaco da mulher?
Sim. Essas mudanças começam entre a 5ª e a 8ª semanas de gestação, com pico no final do segundo trimestre. O coração passa a trabalhar 60% mais do que o normal. Isso porque o volume sanguíneo total aumenta entre 60 e 65% alterando a frequência e o ritmo cardíaco a fim de suprir as necessidades do útero gravídico. A pressão arterial também pode cair 10 mmhg até o final do segundo trimestre ou aumentar durante o trabalho de parto devido à ansiedade ou à dor. Normalmente, essas alterações retornam à normalidade 2 a 4 semanas após o parto vaginal e 4 a 6 semanas após a cesariana.
Como cuidar bem do coração na gravidez?
O bom funcionamento do coração é fundamental para uma gravidez saudável. Todo o sistema circulatório sofre uma sobrecarga e precisa estar em condições de aguentar essa demanda. Para se ter uma ideia, é como se durante 24 horas a mulher estivesse fazendo um exercício de intensidade média, como por exemplo uma aula de bike. Por isso, para cuidar bem do coração durante a gravidez é importante o controle do peso e da alimentação; fazer atividade física ideal e permitida para cada paciente; tratar adequadamente as patologias de base; fazer os exames do pré-natal; ter cuidados, como hidratação, e uso de meias elásticas compressiva abaixo dos joelhos. Também é importante conhecer sinais e sintomas de alerta de cardiopatias e/ou complicações.
Como é o acompanhamento de uma gestante que é diagnosticada com hipertensão na gravidez?
Após o diagnóstico e a classificação da hipertensão o acompanhamento inclui consultas, exames e condutas individualizadas. Por exemplo: pacientes com hipertensão leve (PAS maior que 140 e menor que 150) e sem comprometimento de órgãos-alvo (identificado por cefaleia, visão embotada, dor abdominal, diminuição do número de plaquetas no sangue ou aumento de enzimas hepáticas) não necessitam de medicação anti-hipertensiva. O uso de anti-hipertensivos atualmente está indicado pelos guidelines europeus e consensos de especialistas em casos de pressão arterial acima de 150/100 mmhg. Como é alta a incidência de pré-eclâmpsia sobreposta (25% a 50%), as pacientes devem ser adequadamente monitoradas a partir das 20 semanas de idade gestacional. O monitoramento materno inclui o controle da pressão, do peso, da diurese e sintomas pré-monitórios de eclâmpsia, além de exames laboratoriais. É importante ressaltar quais são os fatores de risco para pré-eclâmpsia: idade materna avançada, pressão arterial previamente elevada, colesterol alto, obesidade, história familiar de doença coronariana, síndromes de hipercoagulabilidade e intolerância à glicose. O objetivo do tratamento e do acompanhamento é evitar a emergência hipertensiva materna.